A relação entre o “viés inconsciente”, o racismo e as desigualdades estruturais
Fenômeno do cérebro chamado “viés inconsciente” tenta justificar o preconceito racial, mas na verdade mascara o racismo estrutural
O fenômeno cerebral denominado “viés inconsciente” vem sendo muito utilizado para justificar as diferentes formas de preconceito e discriminações, por meio de estereótipos. Na verdade, é preciso destacar que o tal “inconsciente” na verdade está totalmente relacionado com as formas de percepção da estrutura social que levam a essas atitudes discriminatórias.
Se for analisar, o “viés inconsciente” é o resultado do racismo estrutural, porém é uma forma de o mascarar e o negar.
Compreendendo o “viés inconsciente”
O chamado “viés inconsciente” se refere às atitudes que influenciam os pensamentos, as ações e a decisões das pessoas de maneira automática, sem que se tenha plena consciência. Esses vieses são formados ao longo da vida, por meio de experiências pessoais, culturais, midiáticas e sociais, e podem afetar a forma como cada pessoa percebe e trata outra, ou grupos específicos da sociedade. Essas ações se baseiam em características como raça, etnia, gênero, idade, condição sexual, entre outras.
Esses preconceitos implícitos podem se manifestar em diferentes contextos, como no ambiente de trabalho, nas interações sociais, na educação e nas ações de justiça. A importância de reconhecer e abordar os “vieses inconscientes” está na tentativa de mitigar suas consequências negativas, para se alcançar uma sociedade mais justa e equitativa.
Há uma relação muito complexa e profunda entre o “viés inconsciente” e o racismo, pois as tais atitudes consideradas automáticas contribuem para a perpetuação de estereótipos raciais e influencia as atitudes e decisões das pessoas, de forma muitas vezes não percebidas. Por exemplo, em um processo seletivo para uma vaga de trabalho, a pessoa recrutadora pode favorecer candidatas e candidatos brancos (as) durante o processo, mesmo que acredite na igualdade de oportunidades.
Pode-se perceber também o “viés inconsciente” quando professores (as) têm expectativas de rendimento escolar mais baixas para estudantes negros (as), e quando médicos (as) oferecem tratamento diferenciado para pessoas de determinadas raças e etnias. Esses são apenas alguns exemplos que ilustram como o “viés inconsciente” pode perpetuar desigualdades raciais e contribuir para a manutenção do racismo estrutural. E será mesmo inconsciente?
Examinando o seu impacto no racismo estrutural
Pode-se afirmar que o conjunto de preconceitos direcionados à população negra se encontra enraizado no inconsciente e na subjetividade das pessoas e das instituições, se expressando em ações e atitudes discriminatórias regulares, mensuráveis e observáveis. Violência policial atingindo na grande maioria das vezes a população negra, maior número de vítimas de homicídios e de feminicídios e toda a desigualdade na educação são alguns exemplos, o que faz permanecer e aumentar o racismo estrutural em diferentes espaços da sociedade.
Levando em consideração a visão do racismo como um fenômeno institucional e/ou estrutural, mais do que a consciência, o racismo molda o inconsciente. Dessa forma, a vida “normal”, os afetos e as “verdades” são perpassados pelo racismo, que não depende de uma ação consciente para existir. Pessoas racializadas são formadas por condições estruturais e institucionais. Os privilégios de ser uma pessoa considerada branca não dependem da pessoa socialmente branca se reconhecer ou se assumir como branca, e muito menos de sua disposição em obter a vantagem que é atribuída por sua raça. O racismo constitui todo um complexo imaginário social que a todo momento é reforçado pelos meios de comunicação, pela indústria cultural e pelo sistema educacional.
Esses efeitos se revelam na chamada discriminação estrutural, espelhada nas desigualdades sociais entre grupos dominantes e grupos marginalizados. Figura também como meta das ações afirmativas a implantação de uma certa “diversidade” e de uma maior “representatividade” de determinados grupos nos mais diversos contextos de atividades públicas e privadas. Partindo da premissa de que tais grupos normalmente não são representados em certas áreas ou são sub-representados, as políticas afirmativas cumprem o importante papel de cobrir essas lacunas, fazendo com que a ocupação das posições em diferentes espaços se faça, na medida do possível, em maior harmonia com a pluralidade da sociedade.
Na tentativa de combater o “viés inconsciente” e seu impacto no racismo estrutural, é necessário que pessoas e organizações reconheçam sua existência e trabalhem ativamente para mitigá-lo. O negacionismo, tão presente na sociedade, somente atrapalha e atrasa as ações em prol da luta contra as diversas formas de preconceitos e de discriminações. Nesse sentido, programas de treinamento de conscientização sobre vieses, políticas de contratação inclusivas e a promoção de um ambiente de trabalho diversificado são algumas das estratégias que podem ser implementadas.
No mais, a educação contínua sobre questões raciais e a promoção de uma cultura de reflexão crítica são essenciais para desafiar e desconstruir preconceitos arraigados. Somente por meio dessas ações coletivas se pode começar a desmantelar as estruturas de desigualdade que permeiam a sociedade.
Entendendo que o “viés inconsciente” é racismo
Dentro do contexto aqui colocado, embora o termo “viés inconsciente” seja amplamente utilizado para descrever essas atitudes e estereótipos automáticos, é necessário entender que esses vieses não surgem do nada. Eles são, em sua maioria, resultado de um racismo estrutural profundamente enraizado que molda o inconsciente coletivo. Em outras palavras, o que frequentemente se chama de “viés inconsciente” é, na verdade, uma manifestação do racismo internalizado e institucionalizado.
Esse reconhecimento é fundamental porque desloca a responsabilidade do nível individual para o nível sistêmico, pois acreditar que os “vieses inconscientes” são apenas falhas pessoais ignora o papel das estruturas sociais que perpetuam a desigualdade racial. Ao entender que esses vieses são produtos do racismo estrutural, pode-se direcionar esforços não apenas para a conscientização individual, contudo também para a transformação das instituições e políticas que sustentam essas desigualdades.
Além disso, estudos em psicologia social e neurociência têm mostrado que o racismo pode influenciar a formação e a manutenção de “vieses inconscientes” desde a infância. Crianças são expostas a estereótipos raciais por meio de mídias, interações sociais e práticas educacionais que, muitas vezes, refletem e reforçam as desigualdades raciais existentes. Esse processo de socialização contribui para a internalização de preconceitos que continuam a moldar comportamentos e decisões na vida adulta.
Portanto, ao discutir o “viés inconsciente”, é essencial reconhecer que ele não opera em um vácuo. As estruturas sociais e culturais desempenham um papel relevante na formação desses vieses. Combatê-los efetivamente exige uma abordagem abrangente que inclui tanto a educação e a conscientização individual quanto reformas estruturais que desafiam e desfaçam as bases do racismo institucionalizado.